Saturday, March 24, 2007

Architecture is (e)motion
in dédalo#2 - movimento
pedro levi bismarck

2001-space odyssey, stanley kubrick


A NASA fez uma experiência. Construiu uma caixa sem arestas nem vértices, uma única superfície do tecto ao chão, totalmente branca e com um único material. Uma espécie de cápsula espacial oval, sem linhas, rodapés ou janelas, com a mesma luz opaca e constante e sem qualquer outra cor para além dessa névoa branca. Lá dentro, um único ocupante, também ele todo vestido de branco.

Ao fim de alguns minutos imerso nesse silêncio branco, o ocupante começa a sofrer alucinações. Frames ilusionais, slides imaginários produzidos pelo cérebro, que tentam assim compensar essa ausência de estímulos sensoriais. Não há referências espaciais, não há geometria nem perspectiva dentro desse contentor, apenas uma latência branca e contínua, um suspenso temporal e uma total ausência de movimento. E o que o cérebro tenta produzir com esses frames, para além de cor ou de formas é sobretudo movimento, sequências e sucessões que estimulem a própria mente. Sem esse motion, sem esse perpétuo movimento, o cérebro pararia, deixaria de funcionar. Porque movimento é o contacto do cérebro com o mundo que o circunda, é motion (moção) mas é também emotion (emoção). Isto é, não existe emoção sem moção; emoção é movimento e contacto entre corpos e matéria. A própria origem etimológica comum demonstra essa relação, do latim emotio, e + motio, sendo esse e, o prefixo que significa “fora, para fora”. Isto é, pressupõe um “cá para fora” um movimento exterior, uma projecção, porque emocionar é, também, a capacidade que temos de revelar algo e por isso de pensar.

O movimento é parte integrante do homem, mas é muito mais do que isso, obsessão histórica e necessidade biológica, desde que se lançou das florestas para as extensas planícies da savana, desde as primeiras representações artísticas das caçadas, desde a invenção da roda, do barco e depois da construção de estradas, pontes e aquedutos. Mais tarde, refutou-se a ideia de uma terra imóvel e estática, inventaram-se átomos, éter, e movimento universal de matéria e de luz. Newton, Bach, Neumann. Máquinas a vapor, impressionismo, cubismo, aviões, satélites, Internet. O homem é movimento, o corpo está em permanente acção, e quando não está, de noite enquanto dormimos ou em situações extremas – num deserto, nevoeiro, nessa cápsula branca – o cérebro encarrega-se de compensar essa ausência.
Para além disso, a cada momento histórico e “estilo” arquitectónico, corresponde um movimento próprio, uma concepção de espaço-tempo específica. Cada estilo tem a sua própria velocidade, o seu ritmo. E se na sua história o homem tem perseguido velocidades cada vez maiores, também essa realidade se reflecte na arquitectura. Arquitectura sobrepõe-se, os edifícios vão-se justapondo, todos com os seus ritmos e velocidades diferentes. O silêncio e a calma de um templo grego, apreendido serenamente enquanto se caminha pelas montanhas da península grega. A catedral gótica com o seu movimento vertical e a sua permanente construção e circulação de homens. O barroco, espaço diluído e dinâmico, essa percepção que a terra não é jamais corpo imóvel e estático. Depois, a máquina aumenta essa velocidade, retira a supérflua decoração dos edifícios e abre esses vãos e janelas. O vidro reflecte e multiplica os corpos – e o seu movimento –, é o material por excelência da arquitectura do século XX.

Tangencialmente a essa sucessão, existem outras situações-limite: a vasta planície do deserto, esse nevoeiro denso opaco, um parque de estacionamento vazio, um quarto escuro ou essa cápsula branca. Espaços sem movimento, onde apenas persiste a eterna duração do mesmo instante, a sua repetição milimétrica, ad aeternum…São por isso e voltando atrás, espaços sem (e)moção, não no sentido único de estabelecer ou não uma afectividade, mas emoção enquanto esse dispositivo de matéria que predispõem o homem a pensar. Ora, nessa cápsula o ocupante – não pode existir o habitante -, não age, não reage, vive apenas aquilo que já viveu, é só ele, diante de ele, imagens e alucinações da memória, remakes cerebrais. E por isso, também, esta cápsula retém em si essa bela e distinta contradição humana que exerce sobre nós um certo fascínio. Essa possibilidade impossível de um espaço sem tempo - por isso sem movimento - e esse estar fora da realidade., um espaço que escape à acção dominadora do tempo, ao desgaste do movimento. Mas que simultaneamente já não é lugar algum, porque é uma impossibilidade, um limite. Não existe um espaço sem estímulos, - nunca poderemos estar totalmente fora da realidade –, um espaço que não produza movimento e que não provoque emoção, que não projecte, que não crie. Seria apenas o homem parado e inerte, em frente a uma espécie de espelho da alma, num eterno instante e numa eterna loucura. Não há futuro dentro dessa caixa, apenas o silencioso branco da ilusão e da demência.

Essa cápsula branca é assim afirmação e negação da arquitectura. É utopia e desejo desse espaço intemporal, dessa ideia de eternidade, experiência-limite do homem, mas já não é arquitectura. Porque esta deve reter em si a capacidade de criar movimento, de provocar emoção, deve ser capaz de produzir esse e-motion. A arquitectura deve ser esse dispositivo capaz de transformar movimento em emoção, de produzir emoção, não para chorar ou rir, mas emoção, enquanto essa matéria potenciante de uma predisposição para pensar, de projectar o homem no mundo, de o mutar (regenerar) e de se mutar (regenerar) a ela própria. Deve inscrever e não ausentar, deve provocar e não anular. A arquitectura é a possibilidade do movimento, é a possibilidade da emoção e a possibilidade do pensar. Architecture is (e)motion.
pedro levi bismarck
referências:

Damâsio, António R., O Erro de Descartes. Lisboa, Publicações Europa-América, 1995
Morin,Edgar, O Paradigma Perdido. Lisboa. Publicações Europa-América.1975
Van de Ven, Cornelius, El espacio en arquitectura, Madrid, Ediciones Cátedra, 1981
Grande enciclopédia universal, vol.7, Lisboa , durclub, 2004

http://www.nasa.gov
http://en.wikipedia.org/wiki/Motion_%28physics%29
http://en.wikipedia.org/wiki/Emotion

No comments: